
Eu percorri um trajeto improvável até virar empresário de transição psíquica.
Embora eu nem desconfiasse, me preparei muito para isso: passei quinze anos como escritor de videogames nos EUA e roteirista de televisão
na Globo. Meus textos eram mais míticos do que novelescos, a ponto de inovarem o uso de dramaturgia pelo setor digital da Globo.
Sem perceber, eu já provocava os outros a terem um novo olhar sobre histórias.
Quando deixei a Globo, esse processo deu um salto. Enquanto tirava um ano sabático, fui parar numa ecovila à beira-mar chamada
Piracanga. Tudo o que eu queria era sombra e água fresca (e suco verde e cacau sagrado), mas a vida tinha outros planos.
Ao invés de trazer paz, Piracanga me ensinou o que é trauma.
Aquela praia discreta recebia neurocientistas e psicobiólogos de vários países. Entre retiros, formações
e caminhadas filosóficas na areia, aprendi maravilhas sobre a mente humana. Minha escrita absorveu
esses saberes e evoluiu para uma nova espécie de dramaturgia -- depois de alguns meses, eu sentia
que estava traduzindo as feridas sombrias do inconsciente para a linguagem luminosa das
histórias. Dali em diante, minhas obras passaram a ganhar prêmios em conferências
internacionais de televisão.
Mas algo havia mudado em mim. Eu não podia ignorar: histórias são mais do que
mera diversão. Elas são uma tecnologia milenar de renascimento psíquico.
Com fascínio e curiosidade, percebi que narrativas podiam produzir em
seres humanos uma sequência previsível de eventos neuroquímicos. Assim
como mitos ancestrais -- que fundaram impérios e religiões -- narrativas podem
iniciar capítulos de uma vida. Elas podem ser vivenciadas
como ritos de passagem.
Munido de um novo propósito, me ocupei de integrar ciências antigas e modernas
em uma abordagem atemporal. Das tradições não-dualistas, aprendi sobre apego
e aversão; da psiconeurobiologia, a jornada viva dos traumas; das filosofias
sistêmica e transpessoal, a eclosão dos múltiplos "eus"; do psicodrama,
psicossíntese e Internal Family Systems, como acessar essa comunidade interior;
da mitologia, os arquétipos que impactam funções vitais; das medicinas grega
e chinesa, como resgatar a inteligência de cada órgão sequestrada pelas
defesas da mente. E das minhas décadas como roteirista? Como organizar
esse processo em uma experiência emocional que reescreva os dramas de
cada cliente. Ou seja, como proporcionar neuro ritos.
Às vezes me perguntam por que o símbolo da Rite é uma carta numa
garrafa. Que imagem retrata melhor o ser humano do que histórias
lacradas vagando pelo mar escuro da inconsciência até chegar
o momento da revelação?
Thiago Aiache
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